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Dia Mundial do Coração – O amigo do peito merece respeito

close up of man hands with heart

Por: Celso Arnaldo Araújo

Apesar do avanço do câncer e da pandemia, as doenças cardiovasculares (como infarto do miocárdio e AVC) ainda lideram a lista das causas de morte em todo o mundo. E boa parte dessa trágica estatística deve-se à nossa falta de respeito por uma máquina perfeita, capaz de bater – e impulsionar a vida – 70 vezes por minuto, 24 horas por dia, por décadas a fio, sem cobrar hora extra. Estamos muito longe de tomar a iniciativa de controlar os principais fatores de risco do coração. Para nos lembrar disso, a Organização Mundial da Saúde instituiu em 29 de setembro o Dia Mundial do Coração, data que tem por objetivo conscientizar a população sobre a importância de manter hábitos saudáveis e preservar a saúde do coração. Aqui, o Dr. José Antonio Ramires, professor titular de Cardiologia do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP, revela os maiores perigos que corre esse nosso amigo do peito e o que podemos fazer para protegê-lo.

 

O Dia do Coração é uma data para nos conscientizar dos erros mortais que cometemos contra essa máquina perfeita?

Exatamente. É uma data para lembrar que, se tomarmos os devidos cuidados, controlando fatores de risco, podemos fazê-lo funcionar por muito mais tempo, sem distúrbios. Para isso, periodicamente, a partir dos 40/45 anos, ele necessita de uma visita ao médico. A partir dessa idade começam a surgir as principais complicações cardíacas. Providências a tempo evitarão consequências mais graves. É uma data, portanto, para alertar a população.

Dos fatores de risco, é possível elencá-los pela ordem de “grandeza”?

Alguns têm a mesma grandeza, começando pelo tabagismo – principalmente nos jovens e, particularmente, na mulher jovem, quando os efeitos são muito piores que nas idosas. O fumo altera muitos aspectos da proteção vascular que a mulher jovem em tese apresenta, em virtude da ação benéfica dos hormônios femininos.

Mas hoje se fala menos do tabagismo – como se ele estivesse sob relativo controle. Isso é fato?

Sob controle, não – mas diminuiu muito. O Instituto do Coração, entre outras entidades, teve papel fundamental junto ao Ministério da Saúde no sentido de reduzir, pelas campanhas, o tabagismo no Brasil. Saímos de 40% da população adulta para 10% nos dias de hoje – com o detalhe de que as mulheres ultrapassaram os homens. Reduziram menos que os homens. E os jovens, que fumavam muito, hoje são os primeiros adversários do tabagismo.

E ao lado do tabagismo, entre os principais fatores de risco…

A hipertensão é outro patinho feio. O médico só saberá que o paciente tem pressão alta no dia em que ele medir. Mas a hipertensão não começou naquele dia – provavelmente, anos antes. O fato é que a artéria, nesse período, foi se modificando metabolicamente. Descoberta a hipertensão, temos que tratá-la. Vamos tratar um número? Sim, num primeiro momento nossa missão é baixá-lo a um nível normal – se possível, a 120 por 80, que é o ideal. Ou o valor mais baixo possível. Uma vez controlada a pressão arterial numericamente, o próximo passo é usar medicamentos que possam atuar nas paredes dos vasos, para tentar regredir algo que já foi alterado.

Quais são esses medicamentos?

Os Inibidores da Enzima Conversora (captopril, enalapril, etc) são os principais medicamentos com essa função. Em seguida, os Bloqueadores de Receptor de Angiotensina At1 (como a losartana) e alguns Bloqueadores dos Canais de Cálcio (como as benzotiazepinas e os diidropiridínicos).

Sem depender de sintomas…

O paciente que tem, ótimo, porque isso o faz procurar o médico. Quando não há sinal da hipertensão, isso não quer dizer que ele esteja saudável. É preciso medir a pressão.

Depois de tabagismo e hipertensão…

Colesterol alto – que pode ser familiar ou decorrente de erros alimentares desde a infância, muito comum nos dias de hoje. E não adianta chegar aos 60 anos com 300 de colesterol total e começar a tratar. Os efeitos já estarão instalados.

Colesterol é outro fator de risco contra o qual existem medicamentos cada vez mais eficientes. Ainda se usa o conceito do colesterol ruim,
o LDL?

Sim, mas hoje o conceito de reduzir o colesterol não se limita a isso. Levam-se em conta outras moléculas de colesterol. O VLDL, por exemplo, provém dos triglicérides. Portanto, é importante conhecer e controlar o valor dos triglicérides – ao qual as pessoas raramente dão valor. Não basta reduzir o LDL se eu mantiver os triglicérides altos – o que vai elevar outras moléculas de colesterol, tão malignas quanto o LDL.

E como se controlam os triglicérides? Medicamentos?

Primeiro, a gente faz a dieta clássica – com menos açúcar, carboidratos, álcool, etc. Ao mesmo tempo, é preciso conhecer os níveis de uma nova molécula de glicoproteína, que se chama Lp(a) pequeno – lipoproteína que vive ligada no colesterol. Para se ter uma ideia, de 20 a 30% da massa do colesterol é de Lp(a), que, além de ter tudo de ruim que o mau colesterol tem, é altamente trombótico, ou seja, capaz de produzir trombose. Se eu tenho um LDL de 200, 70 a 80% é de Lp(a). Eu teria de baixar muito o LDL para ter menos Lp(a).

As estatinas – vendidas em farmácia – resolvem isso?

As estatinas reduzem o LDL. Mas hoje já se buscam medicamentos específicos contra o Lp(a). Por enquanto, as estatinas são o remédio – quanto mais se baixa o LDL, mais se protegem as artérias contra o Lp(a).

Colegas seus contestam a eficiência da dieta alimentar na redução do colesterol.

A dieta contra o colesterol muito alto influencia pouco – teria que ser extremamente rígida. Se ele é muito alto, não vai normalizar. Um LDL de 200 pode reduzir para 170 com dieta. O paciente ficará sem comer nada – e com colesterol ainda alto. Mas num LDL de 120/140, recomenda-se uma dieta como primeiro passo terapêutico. Se reduzir para menos de 100, não precisa tomar medicamentos.

O diabetes é outro importante fator de risco para as doenças cardiovasculares. Como ele interage com os outros?

O diabetes tipo 2 causa um distúrbio metabólico que se superpõe a outros. Hipertensão, diabetes, colesterol e triglicérides altos são doenças que conversam entre si, sempre para o mal. O hipertenso acaba sendo levado a um distúrbio metabólico que eleva colesterol e triglicérides. Trinta por cento dos hipertensos se tornam diabéticos, enquanto 50 ou 60% por cento dos diabéticos se tornam hipertensos. Entre os obesos, 60% se tornam hipertensos. Quando controlamos um desses fatores de risco, é para tentar evitar outro.

Em relação ao controle do diabetes, as insulinas estão evoluindo, não?

Sem dúvida. São insulinas muito mais seguras, como a Lantus e outras que têm efeito positivo contra a glicemia e menos reações cutâneas ou colaterais. O último lançamento são as chamadas glifosinas – que revolucionaram os medicamentos para diabetes, agindo nos rins, não na insulina. Os não-diabéticos, quando urinam, expelem glicose. Mas, antes de ela ser eliminada, 80% é absorvida pelos rins – preservando a quantidade de glicose na circulação. Com esse novo grupo de medicamentos, os rins desprezam o açúcar – o que ajuda a reduzir os índices de glicemia.

A obesidade talvez seja o fator de risco mais universal para o coração?

Está aumentando no mundo inteiro. No México, 60% das crianças são obesas. E estamos chegando perto. Fast food, refrigerante, os vilões já conhecidos. Combater isso depende de educação em casa e educação na escola, desde cedo. Mas as famílias e as escolas ainda estão despreparadas para esse controle.

Finalmente, o sedentarismo – outro inimigo do peito…

A atividade física é o modo mais eficiente de proteger o coração. Exercício libera substâncias que reduzem a pressão arterial e o metabolismo das paredes das artérias, aumentando receptores de insulina.

Caminhar é suficiente?

Sim, mas pra valer. O mais importante não é a distância, mas o esforço. Se a pessoa entrar seca e sair seca, ela foi passear… Passeio não é ginástica. O que recomendo a meus pacientes? Comece a andar todo dia meia hora. Que distância você percorre em meia hora? Tente andar mais rápido. Que tal cem metros por minuto? Em 15 minutos, 1,5 quilômetro. Até que eu possa andar três quilômetros nesse período, aumentando o passo progressivamente.

Você é um cientista do coração – que vê esse órgão como uma máquina muscular fabulosa. Mas os leigos insistem em ver o coração como fonte de sentimentos e emoções…

É o lado correto…Tudo o que você pensa reflete nele. O pensamento e o sentimento refletem no coração. Uma emoção pode gerar taquicardia e mal-estar. Ou paz de espírito e bem-estar. É impossível separar o coração de nossa mente. Um paciente com depressão é mais suscetível a cardiopatias. E, em última análise, é o coração que decide se você vai viver ou morrer.

 

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