Por Cesar Bentim, diretor da Artegist, Healthcare Consulting
No Brasil, a discussão sobre a venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados tem ganhado força. Entre os argumentos mais frequentes, destaca-se a promessa de maior conveniência ao consumidor e reduções de preço. No entanto, essa questão merece uma análise mais ampla, considerando as peculiaridades do nosso sistema de saúde e o papel estratégico desse segmento de medicamentos para o ecossistema.
Trabalhei por muitos anos com medicamentos isentos de prescrição e compreendo que seu uso é, via de regra, transitório e pontual, voltado para resolver dores ou desconfortos específicos, considerados males menores. Diferentemente de itens de abastecimento diário, como alimentos e produtos de limpeza, os MIPs fazem parte de uma jornada que exige consciência, orientação e, sobretudo, responsabilidade.
É nesse contexto que a farmácia vem exercendo uma função essencial. Mais do que um ponto de venda, ela acaba se correlacionando como parte do sistema de saúde brasileiro — robusto em sua combinação entre o SUS e o setor privado, mas que ainda enfrenta desafios enormes de acesso e educação em saúde. Com a qualidade do sistema de saúde ainda baixa no país, qualquer medicamento, mesmo os isentos de prescrição, requer supervisão e orientação de um profissional habilitado, como o farmacêutico.
Por outro lado, é fundamental reconhecer que as farmácias também precisam evoluir. O aprofundamento na atenção farmacêutica é um caminho necessário, afastando-se de práticas que não agregam valor à saúde pública. Se há distorções nesse modelo, que sejam corrigidas. Mas abrir um novo canal de vendas sem um vínculo claro com o conceito de saúde e sem responsabilidade compartilhada é um risco que não podemos assumir.
Os MIPs, por sua eficácia e segurança comprovadas, são ferramenta importante na atenção farmacêutica, contribuindo para desafogar o sistema de saúde e oferecer soluções acessíveis e rápidas. Mas, para isso, é preciso garantir que eles sejam disponibilizados em um ambiente que priorize a orientação e o cuidado, antes de qualquer interesse de qualquer segmento.
Toda decisão sobre MIPs deve priorizar sua segurança, conveniência e saúde. Quando o acesso vem acompanhado de responsabilidade e cuidado, o maior beneficiado é sempre quem precisa do medicamento. O que ocorre em diversos países do mundo pouco pode nos ajudar em face aos sistemas de saúde diversos e necessidades atendidas de forma diferenciada, principalmente quando nos comparamos aos Estados Unidos.
Sob esse ponto de vista muito particular, não desejo convencer a nenhum interessado no assunto, mas que aproveitemos esse debate para pensar no atendimento a uma população que clama por um atendimento eficaz no trato à sua saúde – e os MIP’s têm tudo a ver com isso.
Afinal, quem deve ganhar com a venda de medicamentos isentos de prescrição? O consumidor: é nele que precisamos centrar o debate e as decisões!