Por: Celso Arnaldo Araujo
Pesquisa encomendada pela Febrafar (Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias) ao IFEPEC (Instituto Febrafar de Pesquisa e Educação Corporativa) ouviu mais de dois mil clientes de farmácias com mais de 50 anos para levantar as principais tendências do mercado que mais cresce, o sênior – e vai aumentar nada menos que cinco vezes nas próximas décadas. Esse público precisa receber do varejo farma uma atenção mais do que especial. E, nesta entrevista exclusiva à Abcfarma, Valdomiro Rodrigues, consultor da Febrafar e do IFEPEC, destaca os pontos principais da pesquisa. Os que fazem realmente a diferença – e trazem mais atualidade e oportunidades às nossas farmácias.
O que vocês mais queriam saber ao encomendar essa pesquisa?
Tentar sensibilizar o varejo para o notável crescimento da população idosa no Brasil. E que a farmácia precisa pensar no relacionamento e ser mais atrativa para essa faixa de público, aprendendo a entender seus hábitos de consumo, por conta do progressivo envelhecimento da população brasileira.
O que mais impressionou vocês a partir dos dados levantados pelo IFEPEC?
Vários aspectos impressionam, mas há um, em especial amplamente discutido entre nós: o número de pessoas idosas que estão chegando ao mercado versus os desafios de sustentabilidade das políticas públicas de saúde. A boa notícia é que esse público consome mais na farmácia. Seu ticket médio é maior que a da população até 50 anos. Com isso, estimulamos nossos associados, as nossas redes, a se preparar para esse povo batendo às portas da farmácia.
A seu ver, qual é o número mais sugestivo desse crescimento segundo a pesquisa?
Segundo um gráfico que consta da pesquisa, em 2010 nós tínhamos 43 idosos para cada 100 jovens de 14 anos. Daqui a 35 anos, em 2060, teremos 218 idosos para os mesmos jovens – ou cinco vezes mais. O envelhecimento da população brasileira é um fato e é muito rápido.
O aumento da expectativa de vida dos brasileiros se deve à oferta de serviços de saúde pelo poder público, apesar das críticas?
Eu sou suspeito. Acho que temos um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo. Quando vemos in loco o que é oferecido às populações dos Estados Unidos e da Europa, chega-se a considerar que, nesse campo, somos abençoados. O SUS dá acesso à saúde a boa parte da população – e isso inclui os medicamentos, especialmente depois da chegada dos genéricos.
Costuma-se dizer que as farmácias são a porta de entrada do sistema de saúde do país, justamente pela facilidade de acesso a elas em mais de 90% dos municípios brasileiros. Concorda?
É claro. Hoje, se fala muito em assistência farmacêutica. Ontem, aliás, foi viabilizada a prescrição do farmacêutico para vacinas. E a recente Resolução 786 permite também à farmácia a realização de testes rápidos. Tudo isso assume um aspecto de medidas preventivas que fazem da farmácia um verdadeiro ambiente de saúde. Temos inclusive mapeado todas as necessidades para que a farmácia incorpore essas novas tecnologias.
Essas necessidades que vocês elencaram têm a ver com novas categorias de medicamentos?
Aí precisamos separar bem a questão do mercado sênior. Fizemos essa pesquisa olhando para dois lados. O primeiro é o da pesquisa presencial, em todo o país, entrevistando 2.200 clientes com 50+ saindo da farmácia. E ouvimos 300 cuidadores de idosos para conhecer hábitos de consumo, necessidades não atendidas, e no que o varejo precisa melhorar para atender a essa comunidade cada vez mais presente nas farmácias.
E em que o varejo precisa melhorar?
Nosso papel principal é sensibilizar as farmácias para o tamanho da oportunidade que elas têm hoje. Considerando o que oferecemos hoje versus a realidade batendo à porta, concluímos que temos um longo caminho a percorrer. Uma das perguntas que fizemos a esses clientes ao sair da farmácia é justamente se ele percebeu algum tratamento diferenciado. Como ele se sentiu? A maioria confirmou que há um atendimento preferencial ao idoso – mas isso é cumprir a lei. Mas ele foi tratado de maneira especial? Aí surge a questão: a maioria responde que não. Sequer foram observadas cadeiras para os idosos esperar o atendimento. E o atendente, na maioria das vezes, não sai de trás do balcão para dar um atendimento mais cômodo ao idoso que escolheu sua farmácia. Nem sequer um chá. A verdade é que esse idoso é de outra geração – entre outras características, gosta de conversar.
Mas aí entra outro desafio: há idosos que gostam tanto de conversar que o tempo necessário para isso se torna inviável num ambiente comercial com vários clientes. Como resolver?
Os profissionais de farmácia deveriam se preocupar com essa questão, porque estudos realizados pelo PEC (Programa de Estratégias Competitivas), o programa de fidelidade da Febrafar, com o qual acompanhamos o comportamento de compra dos idosos, mostram que o idoso consome de 27 a 30% a mais no valor do ticket médio. Outro achado da pesquisa é que grande parte dos idosos paga seus medicamentos com a aposentadoria – um rendimento permanente. Ou seja: uma população bem resolvida do ponto de vista financeiro, o que favorece o varejo. Bingo para o varejo.
Compete aos atendentes da farmácia abordar o cliente idoso que demanda medicamentos com informações sobre o melhor modo de consumo? Ou isso compete ao médico que faz a prescrição?
Isso tem tudo a ver com a farmácia como porta de entrada para o sistema de saúde. Os farmacêuticos hoje são fundamentais para essa virada de chave. Hoje a farmácia pode fazer testes rápidos, controle metabólico, medir pressão arterial, fazer prescrição. Mas são ações ainda incipientes versus o despertar que a farmácia precisa ter diante dessa nova realidade batendo à sua porta.
Há também a questão do preço. Muitos clientes ainda tendem a achar que a farmácia só pode cobrar pelos medicamentos que vende – não pelos serviços coadjuvantes. Como vocês orientam seus associados em relação a isso?
É preciso separar bem as coisas. Uma coisa é preparar sua farmácia para incrementar o aspecto comercial da loja. Outra é preparar seus colaboradores para oferecer o melhor serviço e reter aquele consumidor. Agora, se o cliente demandar um teste clínico ou um trabalho adicional do farmacêutico, é justo que se remunere, além do preço do teste, o trabalho desse profissional.
Isso tem que ser informado claramente ao cliente antes do serviço, não?
Sim, isso não foi contemplado na pesquisa, mas entendemos que tem de haver uma tabela de preços de serviços. O que fizemos foi uma profunda análise da RDC 786 e os desafios da farmácia nessa nova era. Mas não somos invasivos e entendemos que a cobrança, e o modo de fazê-la, tem que ser uma decisão particular dos dirigentes da farmácia – que precisa se estruturar para acompanhar os desafios gerados pela RDC. Muitas farmácias decidem cobrar apenas o teste – não o serviço de aplicá-lo. Mas é uma decisão de cada empresário, que respeitamos. O que tentamos demonstrar, como entidade de desenvolvimento do varejo, é que se trata de uma conta que precisa ser fechada.
Independentemente da cobrança, a fidelização do cliente sênior pela oferta de serviços, com o aumento da venda de medicamentos, já justifica o atendimento premium desse consumidor, não?
Sim, mas o esforço de retenção desse consumidor depende de alguns fatores, como um bom sistema de precificação dos produtos, porque os idosos têm necessidade de mais medicamentos, à medida que a idade avança, sem que seus rendimentos, muitas vezes, acompanhem essa elevação de custos. É preciso também conhecer seus hábitos de consumo e oferecer serviços que conversem com o perfil dele, sobretudo um ótimo atendimento – com uma cadeira para eventual espera, um chá ou café. E uma mudança de comportamento dos atendentes, que precisam entender que esse cliente ali sentado vai consumir de 30 a 40% mais em seu ticket médio.
Ao mencionar que esse cliente sênior demanda um atendimento especial, muitas vezes estendendo sua conversa com os balconistas ou o farmacêutico, não há paralelamente o risco de ele monopolizar o profissional por um período inviável?
São decisões internas. Mas, acima de tudo, estamos falando de digitalizar esse consumidor. O mesmo consumidor sênior que quer conversar depois de comprar uma aspirina pode ser um cliente de alta fidelidade, inscrito numa PBM (Programa de Benefícios de Medicamentos) da indústria farmacêutica por medicamentos de alto custo. Ou seja: é preciso entender os hábitos de consumo de cada um desses personagens.
Na pesquisa, vocês levantaram as categorias de medicamentos que mais atraem o público sênior?
Medicamentos de uso crônico – que, além da necessidade terapêutica, atraem esse consumidor pelo preço. É fácil entender que, por serem de uso crônico e pelas limitações dos rendimentos da classe sênior, é preciso dar uma atenção toda especial à precificação. Pois esse consumidor precisa ter a sensação de preço justo e acessível – um grande desafio para o varejo, e muitas farmácias ainda não têm um sistema de monitoramento de preços.
Você acha que vale a pena oferecer promoções especiais para consumidores sênior?
Aí, é preciso distinguir o consumidor do shopper, pois muitas vezes quem compra os medicamentos são os filhos dos idosos. Cinquenta e três por cento dos shoppers de farmácia são mulheres – que, muitas vezes, estão comprando para os pais acamados. Isso inviabiliza a oferta de promoções para esse público específico.
A pesquisa do IFEPEC levantou as classes de medicamentos de uso crônico mais prevalentes nas demandas da classe sênior?
Duas se destacam – hipertensão e diabetes. Mas medicamentos contra colesterol, reumatismo e antidepressivos também apareceram com destaque. Aliás, está havendo uma ligeira queda no consumo desses produtos líderes – porque as pessoas estão se cuidando mais, com dietas e atividades físicas, por exemplo.
Você destacaria algum dado da pesquisa que analise particularmente os hábitos de consumo da mulher sênior?
A mulher acima dos 50 já tem um comportamento acima dos 60, porque nessa idade ela já costuma dar atenção a produtos anti-aging, como colágeno. São produtos que devem chamar a atenção do varejo.
Um dado interessante da pesquisa levanta eventuais dificuldades de o idoso consumir certos medicamentos. Isso justifica uma atenção especial da farmácia?
Sim, 48% dos entrevistados reconheceram essa dificuldade. Que tipo de dificuldade? Primeiro, enxergar as letras da embalagem. Segundo, seguir os horários de tomada sem ajuda – fica muito difícil conciliar os horários que conciliem cada vez mais medicamentos. Terceiro: partir o comprimido. É outra grande oportunidade para o farmacêutico fidelizar esse público – e também para a indústria, que precisa estar mais atenta a formatos que facilitem o consumo.
A grande maioria do público sênior com facilidade de locomoção gosta de ir pessoalmente à farmácia, não?
Sim, só 20% compram pelos canais digitais. Por enquanto.
Todos os dados da pesquisa Febrafar/IFEPEC sobre o mercado sênior do varejo farma estão disponíveis neste link. Não perca, porque muitos dados podem fazer toda a diferença na relação com esse público muito especial
https://febrafar.com.br/wp-content/uploads/2023/08/2021_01_03_IFEPEC_Pesquisa_Mercado_Senior.pdf
Fonte: Valdomiro Rodrigues – Consultor da Febrafar e do IFEPEC