Por Celso Arnaldo Araujo
Há 50 anos, ainda um garoto de 12 anos, ele lavava seringas na única farmácia de sua pequena cidade, no interior de São Paulo. Hoje, preside a Federação Brasileira das Redes Associadas de Farmácias (Febrafar), um dos principais players do varejo farmacêutico nacional no modelo associativista, com cerca de 17 mil farmácias, distribuídas por 69 redes que atuam em 3.492 cidades dos 26 estados do Brasil e geraram no ano passado quase 35 bilhões de faturamento, 13% de crescimento em relação ao mês anterior. Mas toda essa transformação gerada em meio século de intenso trabalho agora mereceu uma biografia: “Edison Tamascia – Uma saga transformadora de prosperidade e gente”. Em entrevista exclusiva à Abcfarma, parceira da Febrafar, ele resume essa notável jornada.
Cinquenta anos, meio século de farmácia. Começou lavando seringas, é isso?
Em 1974, há 50 anos, esse era um dos processos naturais de uma farmácia – um ambiente onde se aplicava muita injeção. Na verdade, eu sou da zona rural do estado de São Paulo, uma cidadezinha bem pequena, Paranapuã. Um dia, meus pais e dois irmãos, nos mudamos para a área urbana, três mil habitantes, um vilarejo com um posto de gasolina, uma oficina mecânica e uma farmácia – a Bom Jesus. Naquela época, trabalhar aos 12 anos era normal. Meu irmão foi contratado pela oficina mecânica. E meu primeiro serviço foi trabalhar num bar que fritava pastel – que eu ia entregar em outros bairros da cidade. Meses depois, fui trabalhar na farmácia. O dono morava no fundo da loja, que não tinha movimento o tempo todo. Quando aparecia um freguês, eu ia chamá-lo. Essa era minha principal função, a de contínuo, com diversas atividades – entre elas, lavar seringas para reaproveitamento.
Até quando durou essa sua primeira missão farmacêutica?
Em 1977, mudamos para São José do Rio Preto, e ali fui trabalhar numa outra farmácia, a Droga Lúcia, já como ajudante de balcão, fazendo o atendimento inicial, pegando remédio da prateleira e vendendo para as pessoas. Aos 18 anos, fui trabalhar na Drogasil, primeiro como atendente, depois como estoquista – que na época não era trabalhar no estoque, mas fazer pedido, como se eu fosse um comprador. Qual era minha função? Fazer o pedido para a central de distribuição, em São Paulo. A Drogasil na época passava por uma transformação – uma mudança comportamental em relação à liderança. O diretor que chegou, Luiz Carlos Osso, se tornaria presidente da Drogasil até 1994. Veio da IBM para montar o primeiro computador da Drogasil, que tinha o tamanho desta sala… Ao se tornar presidente, ele resolveu dar uma oxigenada na galera e iniciou um processo de promoção do pessoal mais jovem. Fui um dos primeiros. O que aprendi na Drogasil foi o processo de gestão de pessoas – contratação, demissão, abrir caixa, fechar caixa, fazer e receber memorandos. Essa jornada na Drogasil foi plena de mudanças na minha carreira. Saindo de casa com 19 anos, morando em república e pensão, trabalhando em diversas cidades. Em algum momento, aos 20 e poucos anos, retorno a São José do Rio Preto como gerente da loja em que iniciei. E então achei que minha jornada no mercado tivesse terminado e decidi me tornar empreendedor. Sai da Drogasil para comprar um bar. Em seis meses, senti que meu negócio não era aquele e voltei para a farmácia – agora em outra rede, a Drogal, de Piracicaba, no segmento da distribuição. Então saí do varejo para o atacado – na Santa Cruz, como vendedor. E em 1991 saí para comprar com meu irmão uma farmácia independente, a Droga Avenida, em Piracicaba. Ainda não existia associativismo no Brasil. Trabalhávamos então num sistema econômico hiper-inflacionário, com diversos planos governamentais mal sucedidos. Em 1994, com o Plano Real, agora sem inflação, mudamos o modelo de gestão do negócio – de financeiro, no caixa, para administração, no chão da farmácia. Então surge o associativismo. Não fiz parte dele, num primeiro momento. Continuamos trabalhando numa farmácia independente, agora com três lojas.
Quando o associativismo surgiu em sua vida?
Conheci esse modelo em função de ter amigos que já estavam no sistema, em São José do Rio Preto. Fui conhecer o modelo – e decidimos montar um projeto de associativismo em Piracicaba. Então, em 1997, surge a Farma Vip. Além de trabalhar no chão da farmácia, iniciamos a montagem do modelo de gestão para a associação. Nesse momento, o associativismo entra na minha alma.
De que forma?
Quando virei presidente da associação Farma Vip, em Piracicaba, já existiam diversas associações no estado de São Paulo. Qual era o principal meio de alavancar o nosso negócio? Fazer propaganda de nossa empresa na Rede Globo, de acordo com o sinal de cada região. A Farma Vip ia aos limites geográficos de sua atuação, onde pegava a TV Campinas. E assim por diante. São Paulo tinha 10 regiões geográficas e 10 redes de farmácia no modelo Farma Vip – como a Farma e Cia, a Farma Vale, a Drogaria Total, etc. Então montamos uma federação chamada Faesp – Federação das Associações do Estado de São Paulo. E me tornei o primeiro presidente da Faesp, que começou a tomar corpo, a ponto de, no ano 2000, se transformar na Febrafar, inicialmente sediada numa sala emprestada no interior de uma agência de publicidade no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo. E então se inicia o desafio de fazer as coisas acontecerem.
Qual era o tamanho inicial da Febrafar?
Nascemos com 16 redes, cerca de 700 farmácias. Fomos estruturando a Febrafar até ela se transformar no que ela é hoje, consagrando o modelo do associativismo. Nos meus 50 anos de carreira, em 27 sou um entusiasta do associativismo.
Quando você sentiu que a coisa ia para a frente?
Nunca fiquei pra trás. Se com 20 anos eu era gerente da Drogasil, sempre fui uma pessoa que se desafiou para algo diferente. E continuo fazendo até hoje.
Nesses 27 anos, consegue destacar as grandes vantagens do associativismo no mercado farma atual?
A força do coletivo, com redução de custo em qualquer área – de cursos de treinamento de pessoal a negociações comerciais. É a prosperidade coletiva. Não preciso de um comprador de produtos em cada farmácia, mas apenas um, negociando para todas as lojas. A Febrafar hoje é um hub de soluções. Muito mais fácil competir tendo aliados. Minha vida é um associativismo.
No ano de 2012, começa a nascer a ultra entidade que você hoje preside, a Farmarcas. Qual foi o primeiro passo?
Nesse ano, criei uma rede de farmácias populares, com quatro marcas, Max, Mega, Ultra e Superpopular. Dois anos depois, elas passam a compor a Farmarcas. Nascem com o conceito de farmácias pequenas, com pouco mix, para vender barato ou gratuitamente, no programa Farmácia Popular. Hoje, são um modelo de sucesso. O faturamento alcançado em agosto foi de R$8,4 bilhões, superando a meta de R$7,4 bilhões inicialmente estabelecida para 2025. Um crescimento particularmente notável, considerando que, nos últimos cinco anos, as farmácias das redes administradas pela Farmarcas cresceram 155%, em contraste com o crescimento médio do mercado, que foi de 56%.
As duas associações que você preside – Febrafar e Farmarcas – não se confundem em nenhum aspecto?
Não. São dois negócios diferentes. A Febrafar é uma federação com a qual proponho soluções para os associados, podendo ou não serem aceitas. A Farmarcas é um conjunto específico dentro das 70 redes que compõem a Febrafar. É um escritório que administra 11 redes associadas Febrafar.
Como você explica esse salto comercial da Farmarcas?
Inovações têm impulsionado a Farmarcas, como o lançamento de um aplicativo de delivery, que facilita a experiência do cliente, e uma plataforma de trade marketing que conecta produtos de parceiros diretamente às lojas. Estamos sempre buscando maneiras de modernizar e facilitar o dia a dia de nossos associados, para que possam oferecer o melhor serviço possível aos seus clientes. As ambições futuras da Farmarcas incluem a meta audaciosa de dobrar o faturamento da rede para R$17,4 bilhões até 2030.
Você é a voz que fala mais alto, sempre, nas duas entidades…
Todo negócio onde todo mundo manda não tem dono. Tem que ter alguém que mande. No associativismo, crio ferramentas de fidelidade que podem ou não ser implantadas pelas redes associadas. Na Farmarcas, empresa que criei já com a experiência do associativismo, decidi que não seria assim. Implantei um pouco mais de regras de gestão – o resultado é esse faturamento médio três vezes maior nas redes da Farmarcas.
Depois de 50 anos de dedicação total às farmácias, não pensa em parar? Se não, pensa em criar novos fenômenos de mercado?
Não penso em parar. Outras coisas? Sou um empreendedor, poderia atuar em outras áreas, mas estou satisfeito aqui.
A sede administrativa da Febrafar e da Farmarcas, na Avenida Paulista, é o maior espaço business que conheci até hoje. São três andares, com mais de 1000 metros quadrados cada. Precisava ser tão grande?
Precisava para te impressionar (risos).
E eu soube que vocês vão mudar para um lugar maior no ano que vem?
Sim, para um prédio de 10 andares, com mais espaço. É o ciclo da prosperidade coletiva, como menciona a capa da minha biografia. Nesse sistema, você emprega bastante gente e dá um ambiente bom para trabalhar.
E nos próximos 50 anos, o que você pretende fazer?…
Primeiro, esperar que inventem um medicamento para aumentar a longevidade…Independentemente do tempo que eu tenha para viver, vou continuar fazendo o que faço nos últimos 27 anos: desenvolver um modelo de negócios que gere prosperidade coletiva, que ajude a farmácia a evoluir. Não vivo do sucesso, vivo do resultado. Criei uma estrutura gerencial em que a organização não depende mais de mim.
Como é sua rotina média de trabalho aqui?
Chego às 5 e meia da manhã – e geralmente sou o último a sair. Hoje, cheguei atrasado… 5 e 49. Aos sábados, cozinho no nosso projeto social, “Sementes do bem”, que fornece comida para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Mas não quero impor a ninguém o que faço. Aqui, ninguém é obrigado e trabalhar mais do que oito horas por dia. Às 17 horas, vão todos embora. É a hora que geralmente consigo trabalhar mais.
Como é a parceria da Febrafar com a Abcfarma?
Sempre foi estratégica e de extrema importância para nossa entidade. A Abcfarma é uma das principais representantes do varejo farmacêutico no Brasil, com uma atuação robusta e decisiva no fortalecimento e desenvolvimento do mercado. Ao longo dos anos, nossa colaboração tem se mostrado fundamental. Por meio dela, conseguimos unir forças para enfrentar desafios, promover o crescimento do setor e garantir a sustentabilidade dos negócios farmacêuticos no país.
Poderia citar algumas ações em comum entre as duas entidades?
As ações em parceria entre a Febrafar e a Abcfarma vêm se intensificando e trazendo resultados positivos, com uma série de iniciativas que impactam diretamente as farmácias e drogarias, com avanços significativos no que diz respeito à gestão, regulamentação e competitividade do setor. Essas parcerias têm contribuído para a implementação de melhores práticas, o fortalecimento das políticas públicas que favorecem o mercado e a promoção de um ambiente mais seguro e eficiente, tanto para os empresários quanto para os consumidores. Nossa expectativa é que, nos próximos anos, a parceria entre as duas entidades se intensifique ainda mais, trazendo inovações importantes para o mercado farmacêutico evoluir de forma sustentável e cada vez mais alinhado com as necessidades da sociedade e as tendências globais.
Fonte: Febrafar