Por Celso Arnaldo Araujo
O Brasil está envelhecendo. Segundo dados do IBGE, a expectativa de vida para nossas mulheres é de 78,8 anos. Já para os homens, esse índice chega a 71,6 anos. Superando essas previsões, em algumas localidades não é difícil encontrar idosos com 80, 90 e até 100 anos. Isso se deve à evolução da medicina e da farmacologia, que vêm desenvolvendo novas abordagens terapêuticas, medicamentos inovadores e suplementos eficientes. As farmácias têm um papel vital nesse prolongamento da vida – com saúde. Pois os idosos já são a clientela literalmente preferencial do varejo farma. Mas é preciso oferecer a esses clientes um atendimento muito especial
Segundo o IBGE, os idosos (acima de 60 anos) já são quase 26 milhões no Brasil, ou seja, 13% da população. E, nos próximos 20 anos, esse número deve triplicar. Com a sobrevida, as pessoas vão acumulando morbidades e patologias que exigem uma gama muito grande de cuidados e acompanhamentos – e não é raro encontrar idosos que tomam diariamente mais de cinco medicamentos, de especialidades diversas. É a chamada polifarmácia. Quando se lida com tantos medicamentos, e numa idade avançada, com um metabolismo mais lento e diversas doenças de base, é muito frequente detectar problemas relacionados à polifarmácia, como medicamentos que se sobrepõem – ou até mesmo não têm indicação para aquele paciente. Por isso, o farmacêutico é um profissional indispensável na equipe multiprofissional que lida com a terceira idade.
Medicação complicada
O paciente geriátrico pode ter também dificuldade em ingerir cápsulas ou comprimidos. As alterações gastrointestinais associadas à velhice são a elevação do pH gástrico, um atraso do esvaziamento gástrico e redução da motilidade gastrointestinal e do fluxo sanguíneo intestinal. Segundo os especialistas, essas situações combinadas podem provocar maior tempo de contato do organismo com drogas potencialmente provocadoras de úlcera, o que pode acontecer com anti-inflamatórios não esteroidais. Pode ocorrer também uma significativa redução na absorção de drogas aplicadas por via intramuscular em pacientes idosos acamados – talvez por alterações do fluxo sanguíneo regional e redução da massa muscular.
Enfim, a idade avançada pode alterar a distribuição de um medicamento até ele chegar ao órgão-alvo. Nos idosos, as drogas lipossolúveis, que incluem aquelas que atuam no sistema nervoso central, podem apresentar retardamento de início de ação e, subsequentemente, acumular-se no tecido adiposo, às vezes provocando efeitos adversos, como maior toxicidade da droga. Resumindo: no idoso, a prescrição de múltiplas medicações, muito frequentemente associada também à automedicação, aumenta bastante a chance de ocorrência de interações medicamentosas significativas, que se somam às alterações que ocorrem naturalmente no processo de envelhecimento, que afetam tanto a absorção quanto o volume de distribuição e a metabolização dos remédios.
Individualizar o tratamento
Alterações metabólicas que reduzem a eficiência da polimedicação são inerentes ao envelhecimento, variando de indivíduo para indivíduo e influenciada principalmente por hábitos de vida. Sim: alterações relacionadas ao processo de envelhecimento irão influenciar a meia vida da medicação. Por isso, qualquer tratamento em idosos deve ser avaliado de forma individual. Em pacientes geriátricos, há medicações cujos efeitos colaterais são maiores do que seus efeitos benéficos, devendo, portanto, ser evitadas. Nesse ponto, o papel do farmacêutico na hora da dispensação dos remédios pode ser essencial.
Tratamento na farmácia
Por isso, o farmacêutico precisa estar atento, permanentemente, às atualizações nessa área. Ainda existem muitos desafios para a plena implantação da atenção farmacêutica nesses estabelecimentos. Idealmente, o atendimento de um paciente requer o estabelecimento de um vínculo terapêutico, com o qual se garanta um diálogo de forma a evitar barreiras psíquicas, linguísticas e ambientais. Daí a importância dos chamados consultórios farmacêuticos – com um clima de privacidade nesse atendimento que transmita confiabilidade ao paciente, de modo a que ele possa revelar suas queixas de saúde. E isso é ainda mais importante em pacientes idosos – que podem se encontrar em situação de vulnerabilidade.
O farmacêutico deve estar apto a orientar o idoso sobre possíveis efeitos colaterais e esclarecer qualquer dúvida que ele venha a ter, de maneira clara e objetiva. Em pacientes com múltiplas condições médicas, é essencial um planejamento visando ao uso racional das medicações, evitando choques desnecessários que podem surgir entre prescrições de diferentes especialidades médicas.
Nos dias de hoje, especialmente após a pandemia, a farmácia se tornou o primeiro local que o paciente procura quando sente problemas de saúde – com a dificuldade de acessar o sistema público e os planos de saúde. A aproximação do farmacêutico com idosos ou seus cuidadores é crucial para reduzir esses riscos relacionados a medicamentos. O farmacêutico deve ser um profissional acessível e disponível para ouvir, esclarecer dúvidas, levantar questionamentos, realizar acompanhamento farmacoterapêutico – ações essenciais para reduzir reações adversas e otimizar a farmacoterapia em uso. E existem outros serviços que podem ser oferecidos aos idosos, além da dispensação racional de medicamentos.
Confira os principais serviços para idosos que podem ser oferecidos na sua farmácia.
No Brasil, estima-se que 70% dos idosos possuem pelo menos uma condição crônica, o que aumenta a busca de serviços de diagnóstico e controle por parte essa população. Oferecer testes laboratoriais na farmácia, agora facilitados pela RDC 786/2023, é uma excelente oportunidade de atender a essa demanda – e receber a visita dos pacientes na loja. Com esse tipo de serviço, é possível identificar mais rapidamente pacientes que têm alguma condição crônica, o que é essencial para pacientes idosos – as pessoas que mais necessitam de uma resposta rápida.
Os idosos estão entre os maiores consumidores de medicamentos e também são os que mais utilizam múltiplos medicamentos. Os erros mais comuns de uso de remédios por essa faixa etária envolvem dose incorreta, duplicidades terapêuticas, frequência e combinação inadequada de medicamentos.
O seguimento farmacoterapêutico é focado na obtenção e manutenção de resultados terapêuticos e na continuidade do cuidado. Para esse serviço, o farmacêutico deve realizar uma revisão clínica ampla da farmacoterapia, baseando-se na avaliação dos resultados terapêuticos até aqui.
Diferentemente da dispensação tradicional, destinada a todos os usuários, a dispensação especializada é destinada a pacientes selecionados – polimedicados ou com condições crônicas – e deve ser exclusivamente realizada pelo farmacêutico. Para oferecer esse serviço, o farmacêutico deve revisar a farmacoterapia, fornecer o produto e aconselhar o paciente.
O mapa do envelhecimento
A rapidez do envelhecimento da população brasileira é notável, podendo-se dizer que já não somos mais um país jovem, diante das modificações drásticas em nossa pirâmide populacional. Enquanto países como a França tiveram cerca de 150 anos para se adaptar ao envelhecimento de sua população, outros países – como Brasil, China e Índia – passam pelo mesmo processo em pouco mais de 20 anos, o que se reflete em novas demandas específicas, sobretudo nos serviços de saúde. E a população idosa, não custa repetir, é a mais “medicalizada” da sociedade, representando cerca de 50% dos usuários de medicamentos no Brasil, com uso médio de 2 a 5 medicamentos por dia, o que requer maior cuidado e assistência perante o uso racional de medicamentos. Dentre as doenças mais frequentemente associadas a causas de mortalidade entre os idosos, destacam-se as doenças cardiovasculares (31,8%), câncer (21,6%), acidente vascular encefálico (7,9%), diabetes (3%) e doença de Alzheimer (3,2%). Outros autores descrevem ainda o papel da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e as pneumonias como principais causas de morte entre os idosos. Tais condições estão frequentemente ligadas às escolhas de estilo de vida, que incluem tabagismo, consumo de álcool, dieta inadequada e sedentarismo.
Mas cientistas do envelhecimento costumam mencionar os chamados “7 is” da geriatria, como condições de base para a ocorrência de doenças em idosos:
Uma síndrome pode levar ao surgimento de outra, resultando em “efeito dominó” e em piora importante da condição de saúde do idoso. Uma das causas mais comuns da admissão de idosos em serviços de saúde, por exemplo, são as quedas domésticas associadas diretamente à instabilidade postural – e muitas vezes motivadas pelas reações adversas a medicamentos.
O perfil ideal
Para o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, o farmacêutico que busca atuar no cuidado ao idoso deve reunir algumas características fundamentais, muitas delas até incomuns se comparadas a funções inerentes à sua profissão. Destacam-se empatia, proatividade, dinamismo, habilidades em comunicação e gerenciamento de situações complexas. Dentre as competências essenciais ao farmacêutico para o cuidado ao idoso estão os conhecimentos em farmacologia clínica e farmacoterapia aplicadas a essa faixa etária.
Farmácia voltada para a Terceira Idade: como prepará-la para esse público
De modo geral, a atual população de idosos é muito mais ativa do que 30 ou 40 anos atrás. Também é mais vaidosa e preocupada com a saúde. Quer viver mais e com qualidade. Tudo isso já provoca impactos em nossas farmácias, que atenderão cada vez mais clientes acima dos 60. Por isso, as farmácias precisam se adaptar constantemente para atendê-los melhor. Como?
Os diferenciais da farmácia com destaque para a terceira idade
1. Ter produtos voltados para o idoso. Ele não pode ser visto apenas como consumidor de medicamentos. Com o Programa Farmácia Popular, que oferece produtos de uso crônico a custo zero, ele tem mais condições de consumir outros produtos como:
Durante anos as farmácias ofereceram descontos para idosos na compra de medicamentos como sua principal atração. Agora, com os descontos dos planos de saúde e da Farmácia Popular, isso já não é mais um diferencial. É preciso ir muito além, criando um relacionamento menos comercial e mais humano com a terceira idade – que alguns ainda chamam de melhor idade.
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