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Uma pedra no meio do caminho

Dizem – com testemunhos de quem já a sentiu – que a dor da cólica renal, no homem, equivale em intensidade e sofrimento ao do parto, na mulher.A Dra. Daphnne Vera, nefrologista da BP – a Beneficência Portuguesa de São Paulo, confirma essa lenda real. E vai além: 10% da população pode vir a sentir esse tormento, quando pedras de cálcio, ácido úrico e outras matérias-primas se formam em seu sistema urinário. Como lidar com a dor lancinante produzida pelos cálculos renais? Como expulsá-los se eles teimarem em forçar a saída– e não sair? O que pode fazer um farmacêutico diante de um quadro de dor renal dentro de seu estabelecimento? Acompanhe.
Qual é a incidência das pedras nos rins no  contexto da nefrologia?

Cálculos renais são uma condição que afeta um número elevado de indivíduos. A média é em torno de 10% da população. Um pouco menos em mulheres do que em homens. Depois dos 60 anos, a ocorrência nos dois sexos se equivale. É uma doença que, em 5% dos casos, pode levar à fase terminal de doença renal, que é a hemodiálise. Cinquenta por cento das pessoas que têm um primeiro episódio terão outro num período de 10 anos, 35% em cinco anos e 10% no primeiro ano depois da crise inicial.

Ela pode ser cronificar?

Na verdade, a cólica renal é uma fase aguda da doença. É um termo empregado na “passagem” do cálculo, isto é, quando o cálculo se move, produzindo a dor e a crise. O cálculo renal também pode ser um achado de exame, portanto assintomático. Dor mesmo, reforço, é quando o cálculo está se locomovendo dos rins para o ureter, o “caninho” que leva a urina para a bexiga. Na verdade, a cólica ocorre nessa fase de passagem do cálculo. Uma dor típica.

É verdadeira a velha máxima de que a dor da cólica renal, para o homem, equivale à dor do parto na mulher?

Com certeza. Por ser uma dor contínua, sem oscilações, que deve ser pior que uma dor de parto – é o que ouço dos pacientes. Ela não vem numa contração e alivia – a intensidade é contínua, gerando desespero.

Como ela se caracteriza?

Começa nas costas, com forte intensidade, aguda, sem oscilação, contínua, e se irradia para a parte anterior do abdômen e para a pelve. No caso dos homens, ao irradiar para a pelve a dor vai para os testículos; na mulher, para a virilha e os grandes lábios. Na maioria dos casos, pode vir junto com um quadro de hematúria – presença de sangue na urina, nem sempre visível.

Como se formam as pedras nos rins?

Setenta por cento são formados de cálcio – oxalato ou, em menor nível, fosfato de cálcio. Normalmente, são produto de uma combinação entre dieta inadequada, histórico familiar, genética. Dez por cento dos cálculos são de ácido úrico, outros 10 são de estruvita, mas nesse caso secundários a processos infecciosos. Esse paciente tem muita infecção de urina.

É interessante saber a origem material do cálculo?

Sim, porque com essa informação fica mais fácil estabelecer a chance de recorrência do cálculo e sua profilaxia, além da formulação de uma dieta para corrigir o fator alimentar do processo. Há pacientes que aparecem em crise, trazendo uma pedra expelida na crise anterior – permitindo uma análise laboratorial da composição do cálculo. Pacientes que têm cálculos múltiplos e crises recorrentes precisam de uma investigação mais apurada porque várias doenças podem contribuir para a formação das pedras – como obesidade, diabetes, colesterol elevado, doenças de tireoide. E o que pouca gente sabe: a tendência à formação de cálculos aumenta muito em pacientes submetidos à gastroplastia ou redução de estômago. A frequência é muito elevada.

Qual dos cálculos tem mais a ver com hábitos ruins de alimentação?

Os de cálcio e ácido úrico podem resultar de uma alimentação desregulada, ricas em gordura. Pessoas que fazem a chamada “dieta de academia”, com muita proteína animal, também têm mais tendência. A falta de água no organismo é outro fator que aumenta muito a incidência de cálculos.

Qual é a quantidade ideal de água/dia?

Varia de pessoa a pessoa. Mas é preciso hidratar-se o suficiente para gerar um volume de urina de no mínimo dois litros por dia. Para isso, uma mulher com mais ou menos 60 quilos deve tomar cerca de 2,5 litros de água por dia. Um homem, 2,8 litros. Água é fundamental para evitar a recorrência dos cálculos renais. Uma das nossas principais recomendações.

É verdade que uma pessoa com cálculos diagnosticados não deve beber muita água?

Na verdade, não adianta beber muita água com cálculos já instalados – até porque, um paciente com cólica renal pode ter muita náusea e vômitos. A orientação é não beber muita água durante a crise.

Durante uma primeira crise aguda, a sensação é inconfundível?

Há quem no começo confunda com dores de coluna. Mas quando a dor irradia para a frente, ela se distingue. Nesse momento há também quem a confunda com apendicite. Outra doença muito confundida com cálculo renal é a pielonefrite, infecção de urina que começa nos rins. A diferença, normalmente, é a febre – que só ocorre na infecção.

O que deve fazer uma pessoa quando se inicia a crise, antes de buscar socorro médico?

Um analgésico, um Buscopan, é o mais indicado para aliviar a dor. Se o paciente não tiver, com certeza, uma disfunção renal ou outra comorbidade, pode eventualmente usar também um anti-inflamatório não hormonal. Outro remédio que contribui para a dilatação do ureter e ajuda a pedra a passar com mais facilidade é um alfa-adrenérgico, da família da tansulosina – é um remédio originalmente para a próstata, mas na fase aguda da crise de cálculo pode ser usado tanto por homens como por mulheres.

Essa crise inicial pode ser a primeira de uma série. Basta tomar remédio em casa?

Não. O ideal é procurar um nefrologista já na primeira crise, para confirmar diagnóstico e evitar recorrência. São feitos vários exames – o principal deles, o de 24 horas, no qual se examinam todos os eletrólitos que o paciente perde em excesso na urina. Há alguns protetores naturais contra cálculos, como o citrato e o magnésio, que, quando estão reduzidos na urina, podemos dar ao paciente alguns suplementos – o citrato de potássio (Litocit), o magnésio e frutas cítricas. Mas, repito, é importante dosar esses elementos antes de fazer a reposição.

Cólicas renais deixam de ser um sofrimento doméstico e passam a ser também uma emergência de pronto-socorro, não?

Uma das mais frequentes. Na verdade, o cálculo pode exigir um procedimento cirúrgico quando a dor de grande intensidade não melhora com analgésico. E o tipo de intervenção depende do tamanho e da localização do cálculo.

Qual foi o maior cálculo que você já viu? E quais são as técnicas para retirá-lo?

Um de três centímetros e meio – esse não passaria de jeito nenhum, exigindo cirurgia. A litotripsia extracorpórea, feita com ondas de choque, que quebram as pedras, permitindo a saída dos fragmentos, é indicada para cálculos de até dois centímetros. Acima disso, o tratamento é cirúrgico. Para um cálculo que já está no ureter ou na beiradinha do rim para sair, pode ser pela chamada ureterolitotripsia – um método endoscópico pela uretra, que passa pela bexiga, através de um transdutor que alcança o cálculo e, com uma redinha na ponta, o abraça e o retira.

Cálculos de que tamanho podem ser expulsos naturalmente do sistema urinário?

Em geral, as pedras não saem naturalmente com mais de um centímetro. Saem facilmente até meio centímetro. Entre meio e um, até saem – mas com alguma dificuldade. Nesse caso, pode-se ajudar o paciente nesse processo com a chamada terapia expulsiva, uma combinação dos medicamentos citados, para relaxar a musculatura do ureter e tentar a expulsão. Isso tem um prazo de 72 horas. Se a dor continuar, sem alívio, não se deve deixar o paciente prosseguir em sofrimento – indica-se a retirada por litotripsia.

Qual foi o maior cálculo que você já viu? E quais são as técnicas para retirá-lo?

Um de três centímetros e meio – esse não passaria de jeito nenhum, exigindo cirurgia. A litotripsia extracorpórea, feita com ondas de choque, que quebram as pedras, permitindo a saída dos fragmentos, é indicada para cálculos de até dois centímetros. Acima disso, o tratamento é cirúrgico. Para um cálculo que já está no ureter ou na beiradinha do rim para sair, pode ser pela chamada ureterolitotripsia – um método endoscópico pela uretra, que passa pela bexiga, através de um transdutor que alcança o cálculo e, com uma redinha na ponta, o abraça e o retira.

Eu imagino que, da mesma forma que uma pedra causa um sofrimento indescritível no meio do caminho, a saída produz um alívio também inesquecível…

Imediato. A dor cessa na hora.

Toda pedra tem tendência a tentar sair e produzir dor?

Não. As que mais têm tendência a sair, por gravidade, são as que ficam no terço superior e no terço médio do rim. Muitas pedras se acomodam nos rins e ali ficam, sem dar trabalho

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Uma pessoa em crise de cólica renal que vai a uma farmácia em busca de alívio pode ser identificada e bem atendida por um farmacêutico?

Não recomendo sugerir anti-inflamatórios. Mas um analgésico potente, um Buscopan, não vejo problemas de o farmacêutico prescrever. Para identificar um caso de cólica, a irradiação da dor nas costas para o abdômen e depois para a pelve e virilha, sem febre, é o quadro mais típico. Mas outros cálculos mais raros, os 3% formados no ureter ou na bexiga, não têm um quadro clássico de sintomas..

Fonte:Revista ABCFARMA edição 244 Abril / 2020

 

 

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