Por Celso Arnaldo Araujo
Pessoas com mais de 60 anos formam hoje a maior fatia da clientela de uma farmácia – o que exige dos funcionários, de balconistas ao farmacêutico, treinamento cada vez mais especializado. Segundo o censo do IBGE de 2020, o Brasil tinha 25,5 milhões de “sessentões” – um aumento considerável sobre os 10,7 milhões de 1991. E a expectativa é de que até 2060 suba para 73 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais. O que isso significa? O brasileiro está envelhecendo bem?
Segundo o geriatra Dr. Carlos André Uehara, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), especialista em medicina preventiva, o processo de envelhecimento é contínuo e inexorável. “Tem início desde o nascimento e a única forma de interrompê-lo é morrer precocemente”. Logo, viver bem a terceira idade, com saúde e bem-estar, é um presente. Será que o idoso de hoje é o mesmo de 30 anos atrás? Não é! A começar pelas preocupações, que já não são as mesmas de antigamente. De acordo com a pesquisa do IBGE, o brasileiro se preocupa mais com dinheiro do que com saúde na terceira idade. Isso porque as recentes discussões sobre a reforma da Previdência no país causam incerteza sobre a aposentadoria e aumentam a preocupação sobre possíveis formas alternativas de trabalho.
Envelhecer pode ser bom?
Sempre vemos a velhice pelo lado negativo. É preciso destacar a experiência e tudo o que há de positivo nesse processo. Envelhecer é um privilégio.
Diabetes, câncer e doenças cardiovasculares são responsáveis por mais de 70% de todas as mortes no mundo. Quais são os principais desafios dos idosos em relação à saúde nos dias de hoje?
A população brasileira deixou de ser em sua maioria jovem. Antigamente, as doenças que mais matavam eram as infecciosas e agudas. Febre amarela e até diarreia matava. Se as epidemias e outras questões de saúde estão controladas, infelizmente não resolvemos questões do passado que ainda causam grande impacto no sistema público de saúde. Assim, doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes, são problemáticas porque precisam de controle contínuo. Uma gripe pode matar, mas ela é tratável. A pressão alta não dá para curar. Logo, esse paciente precisa de acompanhamento constante, e nem sempre sua realidade social permite esse tipo de cuidado. Afinal, o tratamento da doença crônica gera custos elevados ao paciente. Não dá para centrar o tratamento apenas na consulta com o médico. O mau controle dos casos de pressão alta, diabetes, colesterol levam a um acidente vascular cerebral (AVC) ou a um infarto, que são as principais causas de morte desse grupo no Brasil. É preciso cuidar do paciente integralmente, e isso só será possível com um trabalho conjunto.
Recente estudo aponta que 75,3% dos idosos dependem exclusivamente do SUS. O sistema consegue atender à demanda?
Evoluímos bastante, mas falta muito. Faltam profissionais capacitados e aptos para atender a população que envelhece, mas não precisam ser necessariamente especialistas. No futuro, precisamos dar atenção primária à saúde. Se o profissional que está atendendo perceber que ele precisa de um especialista, aí sim ele vai encaminhar o paciente para um atendimento específico.
Os brasileiros da terceira idade já apostam na prevenção?
Nós não temos o hábito de prevenção, principalmente os homens. A mulher se preocupa mais, vai uma vez por ano ao ginecologista, mas o homem negligencia a sua saúde. Para que a gente chegue à velhice em melhores condições, não basta ter dinheiro. E necessário fazer uma poupança de saúde. Manter hábitos saudáveis, controlar a dieta, incentivar atividades de lazer… Isso deve ser mais trabalhado como forma de educar os futuros idosos.
A solidão é uma queixa dos idosos. Como fazer para evitar esse isolamento social?
As últimas estatísticas do censo do IBGE comprovam que as estruturas familiares mudaram, e um dos dados mostra o aumento das famílias unipessoais, que já são 14%. Quase 60% dessa parcela é representada por idosos, em sua maioria mulheres. Isso porque os homens tendem a constituir uma nova família; as mulheres, nem sempre. Boa parte dos idosos atuais viveram para o trabalho, não têm amigos, não sabem se divertir. Eles não enxergam que ainda podem cultivar novas amizades, e muitos preferem até mesmo ficar sozinhos. Para evitar o isolamento, vale buscar centros de convivência, grupos que se encontram para jogar, fazer artesanato… Envelhecer sozinho e sem amigos é contra a nossa natureza. Ter um grupo é importante, seja para caminhar, para ler, jogar… Construir relações é fundamental para manter-se em sociedade.
Quais são os sinais de alerta que podem indicar a manifestação de alguma doença degenerativa, como o Alzheimer?
O esquecimento e as falhas de memória nunca são normais, mas existem alguns mitos do envelhecimento que precisamos combater. Ficar velho não é sinônimo de esquecimento. Outro ponto são as quedas. Não é porque está mais velho que você vai cair mais vezes. Porém, é preciso estar atento. O esquecimento pode ser um sinal de depressão e outras doenças. É importante observar mudanças de comportamento, aumento da irritabilidade, diminuição do desejo sexual. São sinais que podem alertar para um quadro demencial. Se esse paciente costumava costurar e perdeu a vontade de se dedicar a essa atividade, aí temos um alerta.
Os casos de depressão na terceira idade são tratados como se deve?
A depressão muitas vezes é negligenciada na terceira idade, pois o quadro é diferente do observado em uma pessoa mais jovem. O idoso pode ter uma tristeza, mas isso não o impede de continuar fazendo as suas atividades cotidianas. Muitas vezes essa dificuldade em entender os sintomas acaba levando a um subdiagnóstico de depressão, sintomas esses que demoram a ser percebidos. O preconceito é um dos principais problemas para o diagnóstico, e o suicídio de idosos é uma questão pouco tratada.
Podemos nos preparar para envelhecer bem?
O envelhecimento ativo é baseado em quatro pilares: saúde, participação política, segurança e aprendizado contínuo. Participação política é manter uma vida social ativa. Segurança engloba segurança familiar, financeira, comunitária… Quem vai cuidar desse idoso na ausência da família? Já o aprendizado contínuo é importante para manter a mente ativa. Aprender coisas novas sempre e não ficar parado são questões que devem ser levadas em conta.
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