Uma realidade dramática – e mortal: a falta de adesão fiel ao tratamento medicamentoso prescrito pelos médicos é uma ação, ou falta de ação, que mata milhares de pessoas todos os anos, no mundo todo. Incluindo, claro, o Brasil. O professor Marcus Bolivar Malachias, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica técnicas e táticas para melhorar a adesão e salvar vidas – sobretudo nas farmácias
Sim, a baixa adesão aos remédios, do modo como foram prescritos, ainda é, sobretudo, um obstáculo no tratamento das doenças cardiovasculares – como escreve aqui o Dr. Malachias:
A adesão aos tratamentos preconizados pelos médicos e a forma como as pessoas encaram a necessidade de gerenciar o cuidado com a própria saúde são fatores determinantes para se viver mais e melhor. Apesar do avanço científico e do desenvolvimento de medicamentos inovadores, o controle das doenças crônicas pouco tem melhorado – principalmente devido à baixa adesão aos recursos disponíveis.
As doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortes em todo o mundo e no Brasil. Cerca de 400 mil brasileiros morrem todos os anos por problemas do coração e da circulação. São mais de 1.100 mortes por dia, cerca de 46 por hora, uma a cada 90 segundos. Muitas delas poderiam ser evitadas ou postergadas com cuidados preventivos e medidas terapêuticas adequadas.
Pesquisas demonstram que 1/3 dos pacientes interrompem os seus tratamentos antes do prazo recomendado, 50% não tomam os medicamentos prescritos e 31% sequer levam as prescrições às farmácias. No tratamento de doenças crônicas, é comum as receitas médicas reunirem três ou mais medicamentos – só que mais da metade dos pacientes não utiliza a totalidade dos remédios indicados. Esquemas terapêuticos que envolvem tomar vários comprimidos ao dia, frequentemente para controlar doenças concomitantes, têm adesão ainda menor – estimada em menos de 20%. Estudos apontam que esse fenômeno contribui para 200 mil mortes prematuras por ano na Europa. Além do impacto social, o problema tem efeito econômico devastador nos sistemas de saúde, com gastos anuais da ordem de 125 bilhões de euros na Europa e 105 bilhões de dólares nos Estados Unidos, em hospitalizações e procedimentos evitáveis. São poucos os dados sobre a adesão no Brasil, mas se imagina que os reflexos sociais e econômicos sejam semelhantes ou até mais dramáticos.
Medo de efeitos colaterais e mais
Em relação ao paciente, verificamos que o nível educacional, a condição econômica, as crenças culturais, o conhecimento inadequado sobre a doença, a baixa percepção dos benefícios do tratamento, o medo de efeitos colaterais, a fadiga em relação ao uso crônico de remédios, o baixo apoio familiar e social ao cuidado com a saúde e as questões psicológicas associadas são alguns dos fatores determinantes para deixar de se tratar corretamente. Muitos aspectos relacionados aos médicos também interferem nesse contexto, como a dificuldade de acesso a profissionais, má relação médico-paciente, consultas rápidas, comunicação difícil ou prolixa, prescrições complexas e confusas, receitas com letras ilegíveis e recomendações contraditórias entre diferentes especialistas.
Maneiras de aumentar a disciplina
O próprio tratamento também pode influenciar a adesão. Entre os motivos, destaco o custo, efeitos adversos, esquemas de dose e uso complexos, dificuldade na administração, falta de padronização quanto à forma e à cor de fármacos similares de fabricantes diferentes, existência de embalagens e comprimidos parecidos para produtos diferentes, burocracia no acesso e irregularidades no fornecimento de remédios pelos programas públicos e privados.
É consenso que a melhoria da comunicação e da educação em saúde constitui potente estratégia para reduzir a má adesão. E a tecnologia tem colaborado nessa missão. Recursos simples, como o envio de mensagens aos pacientes pelas farmácias, o uso de aplicativos, a telemedicina, campanhas virtuais e até frascos inteligentes, contendo chips que sinalizam a tomada de remédios, são bons exemplos. Globalmente, especialistas têm discutido o tema e buscado saídas para o problema. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que melhorar essa questão pode ter um impacto na saúde da população até maior que a descoberta de novas medicações. A baixa adesão constitui, assim, um grave obstáculo aos ganhos na expectativa e na qualidade de vida. É um desafio de saúde pública que exige soluções e deve envolver toda a sociedade.
Marcus Bolivar Malachias é cardiologista, PhD pela USP e pós-doutor pela Harvard Medical School
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