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O que as farmácias aprenderam – e vão mudar, com a Covid-19

Por Danyelle Cristine Marini

 

A farmacêutica Danyelle Cristine Marini, Diretora Tesoureira do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, do qual também é membro do comitê de educação permanente, além de professora do curso de Medicina e Farmácia da UNIFAE (Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino), costuma dizer que há três mundos convivendo hoje: o pré-pandemia, o com coronavírus e o pós-coronavírus. E os três já se mesclam. As farmácias e os farmacêuticos, por exemplo, tiveram de mudar para prosseguir sendo elementos essenciais da saúde pública deste país. E mudar como? É o que ela nos ensina aqui.

Que mudanças a pandemia impôs a você, como farmacêutica e pessoa física, e ao segmento da Farmácia?

Também sou professora e coordenadora de curso de Farmácia – e na Educação as mudanças foram muito bruscas. Os professores precisaram se reinventar para continuar dando aula de forma remota, o que não é fácil – e nas escolas houve muitas demissões: a educação, aliás, é uma das áreas que mais vem sofrendo com a pandemia. Na área das farmácias, elas continuam abertas desde o começo, como estabelecimentos essenciais à saúde da população, mas o profissional de farmácia teve de assumir várias novas responsabilidades. A principal, a meu ver, é ter preocupação e controle permanentes, junto com sua equipe, sobre a redução do risco de contaminação. O risco existe, mas não se pode parar o serviço. E o farmacêutico, como profissional de ponta, precisou criar estratégias para reduzi-lo. Além de todo o impacto sobre a saúde mental das pessoas, devido ao distanciamento social, o profissional de saúde ainda tem de continuar exercendo sua atividade com a certeza de que está em risco. O farmacêutico em contato permanente com o público precisa trabalhar sua saúde mental, e a da sua equipe, além de exercer o tempo todo uma série de atividades que ainda me preocupam muito – sobretudo a adoção correta dos EPIs, principalmente em relação à máscara. Temos notado que ainda não há, por parte de uma minoria de farmacêuticos, o compromisso de oferecer o melhor para sua equipe. Ainda há muitos utilizando máscara de pano – o que chega a ser inaceitável, pois coloca em risco quem está no estabelecimento, até porque as farmácias estão fazendo testes rápidos de diagnóstico da Covid-19 em pacientes eventualmente infectados.

Tem muita gente usando máscara de pano. Por que ela não é correta dentro da farmácia?

A máscara de pano é uma alternativa para a população. Serve como uma barreira, mas sem comprovação efetiva do tempo e da eficiência da proteção. Quando se fala em máscara de pano, fala-se na população em geral, que sai de casa para ir ao supermercado ou outra atividade que não pode ser feita em casa. Mas, numa farmácia, estabelecimento de saúde que eventualmente recebe até clientes com sintomas da Covid-19, deve-se usar pelo menos a máscara cirúrgica. E vai se aumentando gradativamente o rigor à medida que se aumenta o risco – como é o caso da oferta de testes rápidos para detecção do coronavírus. Nesse caso, deve-se agregar à máscara um óculos ou um capacete. A proteção deve ser proporcional ao risco a que o profissional está exposto.

A máscara cirúrgica é eficiente por quantas horas?

Até o momento em que ficar úmida – quando deve ser trocada. E não é só usar a máscara certa. A pergunta é: os colaboradores foram treinados adequadamente para usá-la? Para tirá-la no momento e no modo certo? Já surpreendi muitos funcionários de farmácia com a máscara certa, mas no meio do nariz e a mão no rosto. Há técnicas para colocar, para usar e para tirar. A meu ver, ainda falta treinamento em muitas farmácias.

O CRF tem dados sobre o índice de contaminação por coronavírus nas equipes de farmácias?

No dia 17 de junho, o Ministério da Saúde liberou uma nota, segundo a qual já havia em maio 3.344 casos de farmacêuticos contaminados na rede pública e privada. Esse número deve estar bem mais elevado. Somando-se todos os profissionais de saúde, o número de contaminados vai a 31.790. Vê-se que o risco é muito alto.

O CRF ofereceu, durante todos esses meses, diversos cursos e treinamentos de capacitação do profissional da farmácia para lidar com a pandemia. Resumidamente, esses profissionais devem ser proativos, devem tomar a iniciativa diante de um cliente que veio buscar remédios ou informações sobre o coronavírus?

Precisa haver inicialmente dois tipos de controle na farmácia: do fluxo de pessoas e de distanciamento. Feito isso, é necessário pensar na eventualidade de que algum cliente de sua farmácia esteja contaminado com o vírus. Não cabe mais discussão, inclusive porque há um decreto estadual nesse sentido, sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras no estabelecimento. O farmacêutico precisa ser proativo? Não resta a menor dúvida, mas aí encaro a questão de duas formas. Levando em conta que os primeiros e, em muitos casos, os únicos sintomas da Covid-19 podem ser confundidos com os de um resfriado ou gripe, qual é a seção da farmácia que esse cliente vai buscar? Os MIPs, de venda livre, para esses sintomas leves. Não vejo em nenhuma farmácia a preocupação de abordar o cliente que selecione uma cestinha cheia de MIPs, no sentido de oferecer-lhe alguma eventual orientação sobre a doença e seus sintomas – caso ele ache que está infectado pelo vírus. E também não vejo a preocupação de assepsia das prateleiras com esses medicamentos – esse paciente, em sua busca, pode ter tocado em várias embalagens. Se estiver contaminado…

E os casos mais graves, já com diagnóstico, que levam o paciente à farmácia com uma receita para comprar, por exemplo, hidroxicloroquina, azitromicina ou um corticoide? Cabe alguma ação ao farmacêutico?

Também noto que, nesses casos, o farmacêutico está apenas dispensando os medicamentos – sem orientar o paciente. Hoje vemos prescrições de coquetéis absurdos. Será que o cliente foi devidamente orientado, assinou um termo em que se diz ciente dos possíveis riscos dos medicamentos? O Conselho Federal de Farmácia liberou um termo para que o farmacêutico possa utilizar no estabelecimento diante da prescrição da hidroxicloroquina contra o coronavírus, por exemplo. Mas também aí noto a falta de proatividade dos farmacêuticos.

Mas, se há prescrição, o médico aí não é soberano?

Sem dúvida, mas o farmacêutico pode e deve orientar esse paciente ou o portador da receita – inicialmente checando se ele tem um risco maior para a utilização daquele medicamento, sobretudo a hidroxicloroquina. Mesmo se a receita estiver com um familiar, entendo que este também deve ser alertado e orientado pelo farmacêutico sobre o risco dos medicamentos – sempre no sentido de criar uma rede de segurança para o paciente. E pensando até na questão comercial da farmácia, você consegue fidelizar o cliente quando ele se sente amparado. E isso só se faz criando essa rede – atrelando saúde e economia.

Outra questão polêmica da relação entre coronavírus e farmácias é a realização dos testes rápidos. Muitas redes se manifestaram contra esse serviço pelo risco de o farmacêutico ter contato muito próximo com um possível contaminado. Qual é a posição do Conselho?

Para mim, há um ponto positivo e um negativo. Ao levar os testes para dentro da farmácia, você reforça que se trata de um estabelecimento de saúde. E facilita muito o acesso da população, o que é fundamental para o controle da doença. Quantas pessoas assintomáticas dão positivo no teste – e estavam transmitindo a doença? Portanto, levar os testes para as farmácias foi, sem dúvida, um ponto positivo. Mas há um lado preocupante nessa medida. Para realizar um teste com um grande potencial de falsos negativos, preciso de profissionais extremamente habilitados para fazê-lo – daí o Conselho ter se adiantado em oferecer cursos de preparação, além de manuais específicos. Além de tomar todas as precauções para não se contaminar e contaminar a equipe da farmácia, o farmacêutico precisa ter uma enorme responsabilidade na hora de liberar um teste. É preciso se capacitar muito.

Que tipo de teste está sendo oferecido nas farmácias?

Com punção digital de sangue e dosagem de IgG e IgM, ou seja, anticorpos que agem em forma de resposta a antígenos presentes em nosso organismo – como o novo coronavírus. Mas temos uma janela imunológica muito expressiva em relação a esse vírus. Para dar positivo, o paciente precisa ter de sete a 10 dias de contato com o vírus.

Se der positivo, como o farmacêutico deve conduzir o paciente dali por diante?

Orientá-lo a procurar uma rede de saúde – com imediato afastamento de seu círculo social e profissional por no mínimo 14 dias, com monitoramento permanente dos sintomas. Nos casos mais leves, apenas acompanhamento. Nos mais graves, o paciente pode até ser internado.

O farmacêutico, num caso desses, pode recomendar alguma medicação?

O farmacêutico não está habilitado a prescrever nem a realizar o afastamento do paciente. E não temos ainda nenhum medicamento eficaz contra a Covid-19. A maioria desses pacientes de casos leves apresentam febre – que, aí sim, pode ser controlada com MIPs como paracetamol, dipirona, etc. Mas mesmo em casos leves, o paciente precisa ser orientado por um médico – com o farmacêutico fazendo apenas o monitoramento.

Vocês já têm um balanço do número de testes que as farmácias já fizeram até agora?

Só temos um levantamento feito pela Abrafarma com suas redes filiadas. Em cerca de 350 farmácias, foram realizados até o final de junho 62.660 testes – com 15,3% de casos positivos, ou 9584 casos.

Em sua visão e com sua experiência, que marcas essa experiência amarga vai deixar no dia a dia das farmácias brasileiras quando tudo isso passar?

Costumo dizer que existem três mundos – o pré-coronavírus, o com coronavírus e o pós-coronavírus. O que esperamos deste? Muitas tecnologias, como a prescrição digital – que já existia, mas vinha vagarosamente e, com a pandemia, acelerou. Uma realidade que veio para ficar: a facilidade e a segurança de o médico prescrever medicamentos a distância, sem o dilema da letra ilegível, com assinatura digital, sem burocracia. Foi uma mudança incrementada rapidamente nesse período e que não vai embora. Quanto à postura do profissional de saúde, vejo que o farmacêutico da pré-pandemia ficava um tanto afastado dessas questões. A partir do momento em que a farmácia passou a ser considerada estabelecimento essencial e o farmacêutico convocado pelo Ministério da Saúde a oferecer vacinas e testes rápidos para seus clientes, esse profissional ganhou nova dimensão e se tornou ainda mais essencial. Por isso, no mundo pós-pandemia, haverá uma expansão enorme de serviços dentro da farmácia. O farmacêutico tende a crescer muito em atendimentos diferenciados. E terá de buscar mais capacitação para aprimorar suas competências.

E na sua área do ensino da Farmácia?

Eu sempre capacitei meus professores a usar as tecnologias de informação e comunicação, as Tics. Dos meus 40 professores, conseguia capacitar, ao longo de 10 anos, no máximo oito. Agora, num prazo de duas semanas eu capacitei os 40 a usar essas tecnologias. É uma necessidade. Ou você muda ou você morre. A Revolução Industrial 4.0 foi antecipada, mudando profundamente os relacionamentos humanos, inclusive dentro das farmácias. O mero “entregador de caixinha” não se encaixa nesse mundo.

 

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