Nos últimos tempos, não há no cenário farmacêutico e terapêutico global um medicamento tão comentado e tão polêmico quanto o sulfato de hidroxicloroquina – já empregado há anos no tratamento de moléstias autoimunes e nos últimos meses testado e eventualmente aprovado em estudos internacionais, em algumas circunstâncias, no controle da Covid-19. Afinal, o que se sabe até agora sobre esse princípio ativo? Entrevistamos o Dr. Caio Gonçalves de Souza, gerente médico da APSEN Farmacêutica – maior fabricante do produto no país.
Em que ano o Reuquinol começou a fazer parte do portfólio da Apsen?
A APSEN Farmacêutica produz a hidroxicloroquina há 18 anos para tratamento de pacientes crônicos com lúpus e artrite reumatoide, que são as indicações aprovadas em bula. A hidroxicloroquina corresponde a cerca de 8% do faturamento da companhia.
Já em 2004, falava-se da ação do medicamento contra os vírus da família SARS. Como a Apsen vinha acompanhando essas notícias?
Os artigos sobre o uso da hidroxicloroquina na SARS em 2003 e 2004 eram conhecidos, e testavam a hipótese da ação antiviral dessa medicação. Essa ação também foi testada em outras doenças, como a malária, principalmente na região amazônica. Infelizmente, esses artigos foram feitos in vitro (sem pacientes), ou com uma amostra muito pequena. Logo, não podem ser conclusivos.
Em 2019, novas menções sobre a ação terapêutica da hidroxicloroquina vieram à tona, desta vez já especificando o vírus atual, 2019-nCoV. Como vocês receberam isso?
A hidroxicloroquina é um medicamento amplamente utilizado para doenças antimaláricas e autoimunes, com bom perfil de eficácia e segurança. Esse princípio ativo tinha um bom potencial como medicamento antiviral de amplo espectro. Artigos in vitro mostraram que a hidroxicloroquina bloqueia a infecção por vírus aumentando o pH intracelular necessário para a proliferação viral dentro das células, além de interferir na glicosilação dos receptores celulares de SARS-CoV. Um artigo publicado por Wang et cols nesse ano mostrou que a hidroxicloroquina funciona tanto para impedir a entrada do vírus na célula, como nos estágios pós-entrada. Nesse artigo, foi utilizado especificamente o 2019-nCoV, que é o virus da infeção atual.
À medida que a Covid-19 se instalou globalmente e evoluiu, com milhares de mortos, a hidroxicloroquina ganhou mais espaço nos debates científicos. Como a Apsen vem acompanhando essa polêmica?
A APSEN Farmacêutica tem acompanhado de perto as pesquisas e discussões relacionadas com a hidroxicloroquina em todo o mundo. Até o final de maio, tínhamos 15.121 publicações relacionadas à Covid-19 no site PubMed.gov. Desses, 373 estavam relacionadas com o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Na Plataforma Brasil, temos cadastrados 20 estudos que investigam a efetividade da hidroxicloroquina para o tratamento do novo coronavírus. Temos visto que a comunidade científica está empreendendo grandes esforços para entender o funcionamento do 2019-nCoV e para encontrar tratamentos efetivos para combater esse vírus. Temos confiança de que os estudos trarão evidências científicas concretas e aguardamos a
conclusão desses diversos estudos para entender a viabilidade do uso da hidroxicloroquina, bem como sua efetividade e segurança, no tratamento da Covid-19.
Esta semana, a OMS retomou os testes clínicos, após a revista Lancet, que desaconselhava essa nova vertente terapêutica após um suposto estudo com 96 mil pessoas, retratar-se dos resultados. Isso foi uma boa notícia?
A boa notícia é que a sociedade em geral tem se aproximado mais da ciência, ao acompanhar os estudos que estão sendo conduzidos mundo afora e cobrar soluções para o momento de pandemia que temos enfrentado. Fazer ciência é um processo que naturalmente leva tempo e pesquisadores de todo o mundo tem feito um esforço gigantesco para agilizar os estudos e acelerar o processo de divulgação dos resultados. Existe uma discussão interessante sobre como fazer ciência de forma ágil sem perder o rigor científico e crítico sobre a condução dos estudos e conclusões encontradas. Essa discussão está em curso e tenho certeza de que a ciência sai fortalecida e ganha ainda mais destaque e relevância no dia a dia da população.
No mês passado, o governo de São Paulo anunciou acordo com empresa chinesa para apoiar a terceira e última fase da pesquisa sobre uma vacina contra a Covid-19. Na suposição de que essa imunização seja eficiente, e até sua eventual aprovação, teremos mais um ano de Covid-19 e milhares de mortes. A Apsen considera que, nesse contexto, faz todo sentido iniciar o uso da hidroxicloroquina para tentar salvar algumas dessas vidas? A APSEN Farmacêutica é uma empresa pautada pela ciência e que se preocupa em cuidar de pessoas e auxiliar seus pacientes a superarem os sérios desafios de saúde que eles enfrentam. Estamos muito confiantes de que a comunidade científica e acadêmica encontrará em breve evidências sobre as opções de tratamento para a Covid-19, que sejam seguras e eficazes. Como eu disse anteriormente, existem mais de 15 mil artigos sobre o novo coronavírus publicados no pubmed.gov. Até que existam evidências concretas, a APSEN Farmacêutica recomenda o uso da hidroxicloroquina apenas para as indicações aprovada em bula e reforçamos que o medicamento é ser vendido sob prescrição médica e que a automedicação pode representar um grave risco à saúde.
A seu ver, por tudo o que se sabe até aqui, a indicação mais eficiente e mais segura da hidroxicloroquina seria nas fases iniciais ou mais graves da doença?
Recentemente o Ministério da Saúde liberou um protocolo recomendando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento precoce de pacientes com Covid-19. Reforçamos novamente que a APSEN Farmacêutica recomenda o uso da hidroxicloroquina apenas para as indicações aprovada em bula. Ainda não sabemos como o vírus se comporta em sua totalidade e, dessa maneira, não sabemos quão efetiva é a ação da hidroxicloroquina. Precisamos que os resultados dos estudos
mais robustos comecem a ser divulgados para ter total entendimento sobre a eficácia e a segurança do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.
Qual é a capacidade de produção do Reuquinol da Apsen se o remédio for “oficializado” no Brasil?
A APSEN Farmacêutica tem ampla capacidade produtiva para fabricar a hidroxicloroquina. Mas, com a pandemia do novo coronavírus, a Índia, principal exportadora de matéria-prima para produção de hidroxicloroquina, impôs restrição à compra de insumos. É válido reforçar que a fabricação do medicamento depende de matéria-prima importada. Temos empreendido esforços junto às autoridades do Brasil e da Índia para conseguirmos a liberação de insumos para atender a atual demanda do mercado e não deixar os pacientes crônicos desassistidos.
Para encerrar, qual é a expectativa da Apsen em relação à evolução dessa polêmica e sua previsão sobre o futuro do medicamento na luta contra a Covid-19?
Estamos seguros dos avanços nos estudos e nas discussões acerca dos tratamentos para a Covid-19 e reiteramos nossa confiança nas classes médicas, científica e na indústria como um todo de que em breve teremos soluções para combater a pandemia. Mais importante, esta não foi a primeira, nem a última grande doença infecciosa que a humanidade irá enfrentar. Esperamos aprender com os erros e acertos desta crise, para evitá-los no futuro.
Dr. Caio Gonçalves de Souza – Gerente médico da APSEN Farmacêutica
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