A começar pela oferta de testes de glicemia, facilitados pela RDC 786, as farmácias estão na linha de frente do combate à doença que afeta 15 milhões de brasileiros – a maior parte, sem controle adequado.
São mais de *100 mil farmácias*, instaladas em 95% dos municípios brasileiros. A facilidade de atendimento por um profissional especializado dá a esses postos avançados de saúde um papel fundamental no tratamento do diabetes – distúrbio metabólico crônico que exige controle permanente. Não estamos falando apenas em medicamentos que reduzem os níveis glicêmicos – como a insulina ou o cloridrato de metformina, este prescrito na prevenção de diabetes mellitus tipo 2 em pacientes com sobrepeso, pré-diabetes ou pelo menos um fator de risco para a doença. O acompanhamento dos diabéticos pelo farmacêutico, através dos testes de glicemia, permite, por exemplo, uma tomada de decisão antes da próxima consulta médica, minimizando ou retardando o surgimento de complicações.
Testes de glicemia: o começo e a rotina
Os profissionais de farmácia se tornam fundamentais na adesão ao tratamento farmacológico e preventivo do diabetes – até porque, o Brasil é um dos países com pior controle do diabetes do mundo. Um em cada 11 adultos é portador de diabetes e mais de 70% dos pacientes não estão controlados – ou seja, não mantêm sua glicemia dentro dos valores considerados desejáveis, para evitar complicações da doença. Para reverter esse quadro com alto potencial de mortalidade, o bom manejo do diabetes começa pelos testes de glicemia. O texto da Resolução de Diretoria Colegiada 786/2023 determina que toda unidade licenciada como farmácia pode ser classificada como Serviço Tipo I. Ou seja, toda farmácia pode realizar EACs (Exames de Análises Clinicas), desde que cumpridos os requisitos sanitários obrigatórios – o principal EAC farmacêutico tem sido o teste de glicemia, que detecta o estágio dos níveis glicêmicos com uma gota de sangue extraída do dedo e em seguida exposta a um glicosímetro, que faz a medição dos valores obtidos.
Como fazer
As farmácias comercializam diversas marcas de glicosímetros, tiras e lancetas para a extração da gota sanguínea. Portanto, é natural que a avaliação da glicemia seja um dos mais frequentes serviços oferecidos pelos farmacêuticos – o resultado, depois da coleta, é conhecido em minutos. Pesquisa recente aponta que 73% dos farmacêuticos que atuam em redes de farmácias com consultório já administram o serviço de avaliação da glicemia. A confiabilidade do glicosímetro utilizado, evidentemente, é essencial – com registro na Anvisa e aprovação em análises segundo a ISO 15.197:2013. Existem mais de 10 modelos com essa certificação no mercado brasileiro. Em caso de dúvida técnica sobre o teste glicêmico ou outro parâmetro do controle do diabetes, pode ser consultado o protocolo elaborado pelo Conselho Federal de Farmácia e pela Sociedade Brasileira de Diabetes. O teste de glicemia é um serviço vital que a RDC 786 estendeu às nossas farmácias para detectar alterações na glicemia que indiquem presença ou risco de diabetes. Nesse caso, um único teste, dependendo dos valores, pode ser suficiente para um diagnóstico preliminar. O paciente com glicemia elevada deve ser encaminhado ao médico para confirmação diagnóstica. A automedicação está contraindicada. O objetivo essencial desse teste nas farmácias é a triagem do paciente. Os estabelecimentos de saúde com serviços tipo I são habilitados a realizar exames de análises clínicas em caráter de triagem, a partir de material biológico primário – como sangue capilar e material de swab nasofaríngeo.
Nos casos de pessoas já diagnosticadas com diabetes, o objetivo do teste é avaliar o controle glicêmico – ou seja, os resultados do tratamento. Um teste de glicemia isolado tem pouco valor clínico, porque reflete apenas aquele momento. É preciso acompanhar a glicemia do paciente ao longo do tempo, com testes frequentes, a fim de construir uma análise mais fidedigna. O farmacêutico, ao poder identificar o paciente diabético com uma gota de sangue, incentiva a realização de EACs agora oferecidos pelas farmácias.
Estrutura física do consultório da farmácia
A nova RDC estabelece também a definição da estrutura mínima para a realização de EACs nas farmácias, sendo obrigatória a necessidade de uma sala própria para essa finalidade – que pode ser compartilhada por outros serviços prestados pelo profissional legalmente habilitado, desde que observados de forma cumulativa os requisitos sanitários e de infraestrutura para todas as atividades ali desenvolvidas.
Treinamento de profissionais
Apenas profissionais treinados e capacitados poderão realizar os exames rápidos. Um programa de educação continuada precisa ser adotado pelas farmácias para manter os profissionais atualizados quanto às melhores práticas dos testes.
ABC do Diabetes
Um em cada dez adultos vive com diabetes no mundo. São mais de 500 milhões de diabéticos – e quase metade ainda não foi diagnosticada. O Brasil é o sexto país em incidência em diabetes no mundo e o primeiro na América Latina – são mais de 15 milhões de adultos, com a estimativa de que, até 2045, a doença alcance 23 milhões de brasileiros. Sim, a doença está crescendo, é crônica, mas pode ser saudavelmente administrada, com as farmácias como agentes coadjuvantes.
As principais dúvidas – o que os profissionais de farmácia precisam saber
Quais são as consequências de um diabetes não tratado? Diversas complicações graves – entre elas, alterações cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal crônica e até amputações dos membros inferiores, por feridas profundas. Em muitos casos, é possível prevenir e controlar o diabetes mantendo o peso ideal, o controle da hipertensão e do colesterol, alinhado a uma alimentação balanceada e saudável, com a prática de atividade física regular.
Por enquanto, estamos falando da mais frequente forma de diabetes – a do tipo 2, responsável por até 95% dos casos. Aqui começam algumas dúvidas, esclarecidas pela Dra. Carla Tamanini Ferrari, endocrinologista e metabologista que atua em São Paulo.
Qual o tipo de diabetes mais grave?
É o diabetes tipo 1, também caracterizado pelo excesso de glicose no sangue – mas por motivos mais graves. Nesse caso, a doença surge em geral na infância ou na adolescência, traz sintomas precoces e é causada pela destruição das células betapancreáticas, que ficam incapazes de secretar insulina de forma suficiente para manter a glicemia normal– o que obriga ao tratamento permanente, incluindo a reposição diária de insulina.
E o tipo 2?
Corresponde a 90 a 95% dos casos de diabetes, com aumento progressivo nos últimos anos devido à epidemia de obesidade, maus hábitos alimentares e sedentarismo. É causado pela resistência à insulina em um indivíduo com incapacidade pancreática de manter os níveis de insulina altos o suficiente para vencer essa resistência. Nesses casos, o tratamento farmacológico do diabetes tipo 2 se inicia com medicamentos que melhoram a sensibilidade das células à ação da insulina ou aumentam a sua produção pelo pâncreas – a maioria oferecidos pelas farmácias sob prescrição médica.
Comer açúcar demasiadamente é o que gera diabetes?
Qualquer alimento consumido em excesso que leve ao aumento do peso e da resistência insulínica pode causar diabetes, incluindo o açúcar.
Quem é diabético não pode ingerir bebida alcoólica nem comer açúcar?
Não há proibição completa. Recomenda-se manter equilíbrio e evitar quantidades exageradas.
Quais sintomas de diabetes?
Depende muita da fase da doença e como se encontram os níveis de glicemia. Em geral, pacientes com hiperglicemia muito elevada podem apresentar glicosúria – urina com odor adocicado e até relatos de formigas no sanitário; poliúria, ou mais de três litros de urina por dia; e polidipsia – sede intensa. A hiperglicemia também aumenta o risco de vários tipos de infecções – destacam-se as urinárias.
Todos podem ter diabetes? Ou a doença atinge uma faixa etária específica?
Pode atingir todas as faixas etárias, de recém-nascidos a idosos. Mas o mais prevalente é o diagnóstico após os 40-50 anos associado ao ganho de peso, sedentarismo, uso de bebidas alcoólicas, entre outros hábitos nocivos à saúde.
O farmacêutico Cassyano Correr, diretor da Clinicarx, faz para a Abcfarma um balanço da atuação das farmácias na Assistência aos Diabéticos
As farmácias podem desempenhar um papel crucial, proporcionando:
- Acompanhamento Farmacoterapêutico: monitoramento da adesão ao tratamento e ajuste de doses em colaboração com médicos.
- Educação em Saúde: orientação sobre o uso de medicamentos, aplicação de insulina e monitoramento da glicemia.
- Exames Rápidos: realização de testes de glicemia, hemoglobina glicada, perfil lipídico, entre outros, para controle regular dos pacientes.
- Aconselhamento sobre Estilo de Vida: orientações sobre alimentação, atividade física e cessação do tabagismo.
Limitações na atuação das farmácias
- Diagnóstico de doenças: restrito a médicos.
- Prescrição de medicamentos tarjados: somente em programas de saúde específicos, com protocolos definidos.
- Procedimentos invasivos: limitados a exames rápidos permitidos.
Impacto da RDC 786/2023 para as farmácias
Essa RDC trouxe mudanças significativas:
- Ampliação dos Exames Rápidos: inclusão de testes de glicemia, hemoglobina glicada e perfil lipídico.
- Protocolos de atendimento: definição de procedimentos para garantir segurança e qualidade.
- Capacitação dos profissionais: exigência de formação adequada para a realização dos serviços.
Conclusão
Com a RDC 786/2023, as farmácias reforçam seu papel na assistência aos diabéticos, oferecendo serviços que auxiliam no manejo eficaz da doença. No entanto, é essencial que respeitem os limites estabelecidos, colaborando com outros profissionais de saúde para um cuidado integral.
*DADO DO CLOSE-UP INTERNATIONAL
Fontes: Dra. Carla Tamanini Ferrari, endocrinologista de São Paulo / Dr. Cassyano Correr, diretor da health tech Clinicarx